Custos de produção em alta e pressão sobre os preços pagos ao produtor devem ser o retrato do mercado do leite no mês de maio, segundo entidades de pesquisa
No início da pandemia do coronavírus no Brasil e a partir da determinação das medidas de isolamento social, uma cena comum foi a corrida dos consumidores aos supermercados esvaziando as prateleiras, com medo do desabastecimento ou mesmo com receio de não poder sair de casa para comprar alimento e demais suprimentos.
Em muitas dessas cestas de supermercado, o leite e seus derivados estavam presentes. O resultado dessa procura foi o aumento da demanda por leite UHT. Segundo o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), redes atacadistas e varejistas intensificaram a procura pelo derivado, diante da forte demanda de clientes. Com a menor disponibilidade do produto, o preço médio do UHT registrou forte alta acumulada de 24,8% no mês. A média mensal de março do preço ao consumidor, de R$ 2,66/litro, ficou 11,4% acima da registrada em fevereiro.
Pesquisa de comportamento do consumidor
A Embrapa Gado de Leite/ Centro de Inteligência do Leite realizou, entre os dias 23 de abril e 03 de maio, por meio das redes sociais, uma pesquisa para acompanhar o comportamento do consumidor brasileiro, considerando o consumo domiciliar. Participaram da pesquisa 5.105 consumidores distribuídos em todo o território brasileiro, sendo que os seguintes locais tiveram maior representatividade na pesquisa: Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Distrito Federal, Rio de Janeiro e Goiás.
Ao contrário do que vem ocorrendo em alguns países, no Brasil, a grande maioria dos consumidores entrevistados (83%) está encontrando com facilidade os produtos lácteos no mercado, o que reflete o comprometimento dos produtores e laticínios em manter o abastecimento.
Outro aspecto interessante da pesquisa foi o fato de os consumidores destacarem que o produto ser de uma “empresa local” foi um fator significativo para a decisão de compra do consumidor entre uma marca e outra. Essa valorização dos produtos locais vem ao encontro de tendências também verificadas em outros países, no boletim Radar Internacional. Alguns estudos sobre comportamento de consumidores têm indicado que poderá haver uma mudança na atitude dos compradores migrando de produtos de consumo global para o local.
Segundo o Cepea, ao mesmo tempo que a demanda por leite UHT aumentou no início da pandemia, com o fechamento de redes de serviço e alimentação, o consumo de lácteos refrigerados, como queijos, foi muito prejudicado, deprimindo os preços dos demais derivados em plena entressafra. Esse recuo de preços no atacadista já está impactando as cotações ao produtor.
Mas qual é o cenário para o produtor?
A pandemia de coronavírus trouxe um cenário de incerteza para diversas cadeias produtivas, e com o leite não seria diferente. O comportamento incerto do mercado interno deve pressionar os preços pagos ao produtor de leite em maio, referente ao produto captado no mês de abril. Segundo levantamento do Cepea, as negociações estão em queda no país, indicando um cenário de redução no preço em um momento de alta nos custos de produção.
Até o último pagamento (pago ao produtor em abril referente ao volume captado em março), o preço do leite pago ao produtor registrou ligeira alta de 0,97% frente ao mês anterior, chegando a R$ 1,4515/litro na “Média Brasil” líquida, segundo pesquisas do Cepea da Esalq/USP.
Isso pode ser justificado porque o valor pago ao produtor é formado depois das negociações quinzenais do leite spot (comercialização de leite cru entre indústrias) e das vendas de derivados lácteos. Dessa forma, os valores pagos em abril refletem o cenário de março e, por isso, ainda não foram fortemente influenciadas pela crise do coronavírus – que, vale lembrar, começou a ganhar força na segunda quinzena de março no Brasil.
Cenário complicado para o mês de maio
Quando sobram queijos nos estoques por conta da dificuldade de escoamento, há um aumento do volume de leite disponível no mercado spot. Foi o que aconteceu no mês de abril. Ao mesmo tempo, há uma redução da renda de muitas famílias e diminuição da frequência de compras por parte dos consumidores, gerando consequente redução do consumo de diversos derivados de leite no último mês.
A pesquisa diária do Cepea mostrou que, de 1º a 29 de abril, os preços médios do UHT e da muçarela registraram quedas acumuladas de 15,8% e de 8,5%, respectivamente. O atual cenário gera grande incerteza que impacta diretamente na decisão de reposição ou não dos estoques, tendo em vista que não há boas perspectivas para consumos de longo prazo, justamente devido à redução da renda da população.
As negociações em queda dos derivados e do spot no correr de abril, por sua vez, indicam um cenário ruim para o preço do leite que foi captado neste mês e que será pago em maio. Além de tudo isso, o produtor ainda se depara com um alto custo de produção.
Alto custo de produção
Diante do atual cenário do mercado agro e da alta do dólar, o produtor tem esbarrado em um alto custo de produção do leite, principalmente referente à alimentação.
O farelo de soja, importante matéria-prima na alimentação animal, registrou alta de preço em abril quando comparado com fevereiro, devido à desvalorização do real e ao alto volume de exportações para a China. O milho recuou de preços com a maior venda da safra de verão e queda nas cotações internacionais. Uma ligeira piora no desenvolvimento da safrinha acabou sustentando o preço na última semana. Mas há a expectativa de uma boa safrinha e um pequeno recuo nos preços nos próximos meses.
O momento é complicado e é preciso considerar, como aponta Cepea, que as indústrias lácteas poderão se deparar, em poucas semanas, com um cenário de baixo faturamento, o que certamente será transmitido aos produtores. E a queda na receita dos produtores num momento de alta nos custos de produção e próximo ao período típico de entressafra pode refletir em aumento do abate de fêmeas e na saída de produtores da atividade leiteira.
Tudo isso pode gerar uma reação em cadeia justamente por privilegiar decisões focadas no curto prazo, que podem trazer consequências negativas para a oferta nos médio e longo prazos – ainda mais para uma atividade tão complexa quanto a produção de leite.
Mas ainda há esperança para o pagamento de maio
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) pediu nesta quarta-feira, 6, que as indústrias lácteas do Brasil cumpram o preço pago ao produtor de leite estabelecido pelos Conseleites.
O Conseleite é uma associação civil, regida por estatuto e regulamentos próprios, que reúne representantes de produtores rurais de leite do Estado e de indústrias de laticínios que processam o leite. A criação desses conselhos paritários visam harmonizar as diferenças entre os produtores rurais e as agroindústrias e tem a finalidade de definir tendência do comportamento do preço do leite e servir como conciliação de conflitos.
Apesar da tendência de queda do preço do leite para os próximos meses apontada pelas instituições de pesquisa, os Conseleites ainda apontam estabilidade ou alta de preço para o pagamento de maio, como reflexo do cenário observado nos últimos meses, de grande demanda do produto.
A CNA reitera que as medidas de isolamento social impostas para amenizar os impactos da pandemia da Covid-19 levaram o consumidor a aumentar significativamente sua demanda por lácteos no final do mês de março e nas primeiras semanas de abril.
Com isso, principalmente o leite UHT e o leite em pó apresentaram maior volume de vendas e elevação de preços nesse período, comportamento que não se repetiu nas semanas posteriores.
Portanto, essas vendas de abril com altos preços ainda devem refletir no pagamento ao produtor em maio, como defende os Conseleites.
Entretanto, boa parte dos laticínios apontou redução no preço do leite para esse pagamento, justificando os efeitos da crise no novo coronavírus. Produtores do estado do Paraná apontam que importantes empresas fecharam o mês com a manutenção do preço pago no mês anterior. Em Goiás e Minas Gerais, produtores indicam sinais ainda mais preocupantes, uma queda dos preços ofertados.
A CNA destaca que “o comportamento dessas indústrias em não seguir as tendências sinalizadas pelos conselhos remete a práticas arcaicas de negociação unilateral, que acreditávamos já estarem superadas. Nesse momento de crise sanitária e econômica, o que menos precisamos é de uma crise de credibilidade.”
Conforme a confederação, “a principal finalidade dos valores de referência mensais é proporcionar ao produtor uma tendência do comportamento do preço do leite, sendo um valor justo para todos os elos da cadeia. Por isso, espera-se da indústria láctea brasileira um posicionamento firme e ético para cumprir o que foi acordado.”